Engana-se
quem quer quantificar o quilate de um artista. Um poema pode salvar uma vida,
um livro já fez isso. Como medir essa qualidade? Não temos que exigir nada dos
artistas senão sua arte, que já é mais do que o necessário nos dias tétricos
que vivemos, desde que o mundo é mundo. Já disse um deles que “A tristeza é
senhora. desde que o samba é samba é assim. A lágrima clara sobre a pele
escura. A noite e a chuva que cai lá fora. Solidão apavora. Tudo demorando em
ser tão ruim. Mas alguma coisa acontece, no quando agora em mim. Cantando eu
mando a tristeza embora.” Você entende o que o poeta disse? ou está perdido nos
números ou na solidão do seu trabalho de sobrevivência, assim como eu? Que
tralha de felicidade política é essa que as pessoas querem? A maioria nem sabe
o que quer. Fala-se de paz, onde ela mora? Em que País, em que cidade, em que
território ocupado? Paz, sim, eu vejo quando entro no mundo dos artistas. Lá
sim, existe paz. Nada deve ser mais próximo do Divino do que a inspiração suada
de um artista ao concluir uma grande obra. E tenho cá com meus botões que
nenhuma obra prima é assim vista, mesmo depois de entregue ao mundo. Sofre o
artista por querer se dar mais e mais. Querer ser melhor entendido. Falo do
artista, não dos arremedos ou dos competidores ou dos cofres ambulantes. Falo
do artista que nasceu com a missão de trazer momentos de paz e desacelerar esse
mundo bisonho, perdulário, bêbado, competidor, escuro. Não que eu esteja querendo
mais do mundo. Ele foi feito para ser assim e assim o é para nosso próprio bem.
Para, nós, ostras, aprendermos a
produzir pérolas para um dia enfeitarem nossas janelas, e sabermos contemplá-las sem mercantiliza-las.
Engana-se o desprovido de ideias ao querer comparar os artistas com os outros
habitantes do planeta. Eles sim tiveram que fazer isso e imagino como deve ter
sido pesaroso para Fernando Pessoa ter sido editor, publicitário, ou Drummond, editor, astrólogo, jornalista, empresário. Manuel Bandeira
não concluiu arquitetura por motivo da tuberculose, doença que o fez sofrer por
toda uma vida. Guimarães Rosa, o grande poeta da prosa, exerceu
a medicina, Vinícius foi diplomata, assim como João Cabral de Melo Neto. Muitos
não aguentaram como Pedro Nava, Florbela Espanca, Ernest Hemingway. Colocaram o
ponto final, eles mesmos. Fiquei impressionado com a morte de um ator pouco
conhecido, o americano Nick Santino, que pressionado pelos vizinhos, diante do
barulho dos latidos do seu cachorro, e a insistência das reclamações, transtornado,
matou o cão e se matou em seguida, deixando um bilhete que dizia "Hoje eu traí e matei meu melhor
amigo. Rocco confiou em mim e eu falhei com ele. Ele não merecia isso.” Eles,
meus amigos, os artistas, vivem em um
outro mundo, alheios aos apatetados que levam a vida a olhar o umbigo vizinho,
juntar dinheiro para ter uma vida que nunca terão e competir. Ou aliás, apenas
competir. Essa vida da sobrevivência nos coloca muito distante de entender quem
é nobre em uma arte. Os artistas se conhecem, se interagem, Drummond gostava de
Chico Buarque, se deleitava com suas músicas. Quem é política para se meter
nisso, é pequeno demais. Irrisório, insignificante. Como deve ser triste a vida
desse Noblat, Miriam Leitão, ou um
artista que não se deu conta do artista que é e se envolve nas pantomimas de
explicar o que no fundo, as pessoas já sabem desses políticos e dessa vida
modorrenta que a gente vai levando, ‘que a gente vai levando, a gente vai
levando essa vida’. Eles não. Eles sabem rir. Ou não tem medo de morrer. Então,
deixem os artistas quando se lembrarem do ato ignóbil, pernicioso e corrupto da
política. Deixem eles escolherem o que eles quiserem porque talvez em uma cena,
uma música, um poema, uma dessas pessoas que a mídia massacra por migalhinhas, tenha
feito mais pela humanidade do que nós faríamos em dez vidas, apontando erros e
competindo. Nós, ridículos, querendo ser melhor que o pior. Esdrúxulo. É quase
impossível alguém que vive aqui nesse nosso lado tedioso, entender como os
artistas vivem. Eles estão vivendo para o nosso próprio bem. Para termos uma
sombra no calor insuportável dessa vida, ou uma lareira no frio de doer os
ossos. Nesse terreno tenebroso, são eles que trazem um riso, uma leveza, um conforto,
um momento de felicidade. Mesmo que sejam três minutos de música, uma hora e
meia de peça teatral, ou cinema; um poema que nos revela a alma. Larguem
os artistas porque eles já nos largaram há séculos e deixaram sua alma em nós.
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