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domingo, 14 de outubro de 2018

O figo que não amadurece

Carregava em mim,  até pouco tempo, histórias recentes que não queria lembrar. Mas se estavam  em mim, invariavelmente  vinham à tona, e a memória me calava  o peito, que em um movimento sincronizado, enchia meus olhos , invadia meu rosto, escorria em mim. Uma pequena convulsão solitária de momentos que não desejava  lembrar, que não queria ter vivido. Porém, por mais que relutasse,  como um visgo teimoso, estavam lá, em um pequeno baú da memória, instantes de noites inteiras, dias inteiros de suspense e medo de algo acontecer.  Indagaçoes confusas que nunca encontraram eco, perguntas sem resposta, " por que isso agora, nesse momento?" "Por que eu conquistei para perder?". "Por que , por que?" E eu, desde menino, solitário e de poucas palavras, que aprendeu a trabalhar minha própria companhia e sentimento, com o olhar no horizonte,  muitas vezes sem esperança nem tristeza por isso. Apenas com uma conformaçao descabida de não visualizar ou não me achar ou não me sentir merecedor de muita coisa. Um menino que se transformou em homem cedo demais. Um pequeno escritor de poemas do fundo da alma. Um pequeno desenhista sonhador .Um escritor de poemas rasgados, centenas deles.  Um leitor de acontecinentos que não tinha certeza da vivência.  Uma ansiedade  na alma de que uma vida é pouco demais. Um observador das pessoas,  do próprio coração,  que sem explicação sempre foi acelerado.  Traduzi meu caminhar,  e em alguns momentos me doeu os passos pausados, lentos, indecisos. Era o medo, que agigantei um dia, de nada fazer sentido. Um receio de meu nome transferir para minha vida o seu significado real,  um figo que não amadureceu. Recebi, e pensei ser tardiamente, deveres que pensei não ser para mim. Porém, nada foi tardio. Foi o tempo certo para eu saber receber, dar e ficar de alguma forma na vida de alguem. Eu precisava ficar, não do verbo estacionar, mas de permanecer e continuar caminhando, cumprindo a cada dia,  aquilo que nunca imaginei ter força. Precisei da lembrança dos momentos de solidão para saber lidar com ela. E naquela noite em que foi arrancado de mim o que de mais rico consegui erguer, o que jamais pensei em ter, o que de mais sagrado uma árvore tem,  chorei lágrimas de fogo, como lava de um vulcão feroz, de lava incandescente e lenta. O menino se fez fera por um tempo. Ninguem estava lá. Ninguem viu.  Eu morri varias noites mas ressuscitei todas as manhãs,  com olhos abertos, como se tivesse andado em um deserto por horas.  Não acreditei que tivesse mais olinto para ver o tempo passar. Travei longas batalhas com o relógio, vendo fotografias de parte de mim que foi arrancada. Das presenças diárias, poucas ficaram. Mas as que ficaram,  ficaram! De tudo o que aconteceu, o momento de abraçar e despedir era o que mais doía.  Os olhos inocentes e confusos não me viraram as costas jamais e, mesmo de longe,   cobriam toda a devastaçao que foi feita de mim. Os olhares de reprovaçao, a exposição constante, intermitente, julgamentos de quem não sabia nem um pouco de mim, não doeram tanto quanto eu pensei.  Só me fortaleceu e fez com  que eu não quisesse mais calçar o mesmo sapato. Não mais! Fez com que eu buscasse uma parte liberta de mim. Uma criança que não fui, nasceu  em toda essa metamorfose. Sem a preocupação exagerada de ser contido. Sem nenhuma pretensão de seriedade mórbida; sem a preocupaçao de querer agradar ou medo de ser ridículo.  Com isso, recuperando o tesouro,  me vi pleno, leve. Sei entretanto que tudo ainda vive em mim. As lembranças ainda vem em flashes, em "sonhos", lembranças de momentos que ainda me atemorizam estar no lugar de vivenciar novamente. Grato, ja deu! Foi precioso  mas não quero mais. A paz  reconciliada me faz bem. Noites presentes me fazem crer que tudo foi para isso. Os outros  que confiaram em mim sem que eu mesmo confiasse, me são caros e eternos; não são outros, fazem parte de mim e sabem disso. Os outros que feriram sem conhecer, sim, são outros e sendo motivadores do meu crescer,  os tenho em lugar limpo, mas com a graça bendita do esquecimento gradual . A eles dedico a paz que tenho, pois é indivisível. Algumas mesmas conquistas ja não me satisfazem. Que fiquem para quando Deus quiser. Por enquanto  , um homem vem se fazendo cada vez mais criança, cada vez menos pedante, menos importante e mais feliz. E hoje  sinto a felicidade que pensei não merecer. ( Olinto Campos Vieira, 13/10/2018, 23:55)

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